segunda-feira, 9 de julho de 2007

OS “MORTOS SEM ROSTO” DO COMPLEXO DO ALEMÃO

Os governos Federal e do Estado do Rio de Janeiro promovem, nos últimos dois meses no Complexo do Alemão, mais uma operação policial, que a título de combater o tráfico de drogas, já causou ao menos 43 mortos e 81 feridos, sem qualquer resultado prático na melhoria das condições de vida das respectivas comunidades. O secretário José Mariano Beltrame, sob as ordens do governador Sérgio Cabral e apoio expresso do Presidente Lula, declarou que a polícia está disposta a manter o confronto. Afirmou que essa é uma ação sem data para terminar, e trata-se de um remédio amargo para a cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, os trabalhadores continuarão impedidos de trabalhar, as crianças e adolescentes permanecerão sem escola e lazer e as mortes em massa continuarão. E, pior, a já testada política de segurança de confronto, comprovadamente ineficiente no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, que já foi até estimulada pela “gratificação faroeste”, é tratada como uma grande novidade por esse governo. Essa política de segurança compromete o futuro de gerações de crianças, adolescentes e jovens – que além de estarem submetidas ao medo da violência do tráfico, também passam a ser massacradas pelo medo da violência do Estado.
Mas, enfim, quem são os mortos do complexo do alemão? Qual era a história de vida destas pessoas mortas? Qual era a identidade dessas pessoas? Quais eram os seus nomes e idades? Eram crianças, adolescentes ou jovens? Eram homens ou mulheres? Qual a origem étnico-racial ou regional dessas pessoas? Qual era o rosto destas pessoas? Em que circunstâncias cada vida foi ceifada? Havia acusações contra os mortos? E, se havia, as mesmas não deveriam ser investigadas e comprovadas? Os indícios de crime seriam suficientes para justificar as mortes dos acusados?
A maioria das perguntas anteriores tem sido respondidas pelos órgãos de segurança do Governo do Estado do Rio de Janeiro, peremptoriamente, por meio da seguinte afirmação: “todos eram traficantes”. Caso fosse possível comprovar que todos eram traficantes, essas mortes estariam justificadas? É evidente que não. A justificativa de criminalizar a pobreza produzindo tantas mortes sem rosto, taxando-os de traficantes não é questionada, por expressar a crença de parcela da sociedade carioca, que aposta no recrudescimento da violência como meio de enfrentar as desigualdades sociais.
Assim, o Governo do Estado, tenta justificar sua política de “enfrentamento”, causadora de um banho de sangue no Complexo do Alemão, sem expressamente calcular o risco das suas operações para a vida dos moradores das favelas. E, desta circunstância surgem outras indagações: A vida humana vale quantas armas apreendidas? Cada morte pode ser justificada por quantos quilos de cocaína ou maconha? Qual o resultado prático dessas operações? Quantos empreendedores do crime organizado foram atingidos? Que procedimentos estão sendo tomados com relação às armas de uso exclusivo das forças armadas que foram apreendidas? Porque os responsáveis nunca são expostos à opinião pública?
É óbvio, que nessas operações policiais de confronto, travadas em meio a áreas pobres de latentes conflitos sociais, não há trocas de margaridas e rosas entre as partes envolvidas. A política de segurança de confronto do Estado gera uma violência cujo resultado é idêntica à violência produzida pelo crime organizado: mortes, apartação social e o medo.
O repúdio a essa política de segurança de confronto policial, que mede forças com o crime organizado, não significa apoio à violência que também o tráfico impõe a várias comunidades de favelas. Mas, é necessário afirmar que é dever do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e não do tráfico, respeitar a dignidade de qualquer vida humana, avaliar racionalmente os riscos de onde vão parar as balas dentro das comunidades faveladas do Rio de Janeiro, refletir como o confronto transforma o medo numa ordem institucional, que subordina, humilha e compromete a vida com dignidade dos cidadãos que moram nas favelas do Rio de Janeiro.
A política de segurança de operações de confronto institucional, que põe como alvo qualquer morador favelado, deve ser repudiada pela sociedade carioca. Essa política acentua a segregação territorial das favelas, a discriminação, agravando a exclusão, a opressão e a marginalização cujas origens, sabe-se, são as ações e omissões históricas da Prefeitura do Rio de Janeiro, do Governo do Estado do Rio e do Governo Federal que tiveram oportunidades e não concretizaram políticas urbanas e ambientais de habitação e saneamento básico, moradia, educação, cultura, saúde, emprego e renda prescritas pelos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DHESC).
Assim, considerando os atos comissivos e omissivos de violação dos direitos humanos pelos aparelhos de segurança pública federal e estadual, contra os “mortos sem rosto” e contra todos os Seres Humanos residentes nas comunidades do Complexo do Alemão e de outras favelas cariocas; considerando essas mortes e o abandono social, ampliado e estrutural, como desrespeito à dignidade humana dos moradores das favelas cariocas – cujas vítimas imediatas são os afrodescendentes, os grupos de migrantes nordestinos, crianças, adolescentes, jovens, mulheres e idosos; considerando as expressa impossibilidade de acionamentos isentos dos mecanismos de jurisdição interna (federal e estadual), resolvemos encaminhar petição de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH – da OEA (Organização dos Estados Americanos) contra a República Federativa do Brasil e o Estado do Rio de Janeiro por violação de direitos humanos prescritos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Assinam este documento, em ordem alfabética:
ENTIDADES
AMOCREN Associação de Moradores de Olaria
Conselho Estadual de Defesa do Negro - CEDINE
Forum Popular do Plano Diretor do Rio de Janeiro
MTST
Sindicato de arquitetos e Urbanistas RJ SARJ
UNEGRO

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