Editorial de O GLOBO, 15 de julho de 2007
Entre os temas incandescentes, capazes de deflagrar discussões apaixonadas, inclui-se o da legalização do uso de drogas. Dínamo da criminalidade em escala planetária, a produção, o tráfico e o consumo de cocaína, maconha, heroína - apenas para citar as de maior mercado - e substâncias sintéticas movimentam bilhões, preocupam governos e famílias. A luta contra essa indústria parece inglória, além de ser custosa em dinheiro e vidas. Com esse pano de fundo é que se coloca a questão: por que não legalizar o consumo de drogas, para afinal controlá-las? A polêmica vem de muito tempo e nela acaba de desembarcar o governador Sérgio Cabral. Logo no início do seu governo, Cabral se colocou ao lado dos defensores da legalização. Posição reafirmada em recente entrevista a "Veja": "Será que não é mais fácillegalizar e criar políticas públicas na área da saúde, para conscientização, para o controle?" É uma das perguntas que vêm sendo feitas nesse debate, e com participantes ilustres, alguns, à primeira vista, improváveis. Como o economista Prêmio Nobel Milton Friedman, americano, já falecido, um dos ícones do monetarismo, ultraliberal, tachado de inimigo pelas esquerdas.Por liberal, Friedman defendia a liberdade no uso de drogas. Em 1991, numa entrevista transmitida por emissoras de TY da rede pública americana, ele explicou as razões pelas quais considerava um erro o Estado interferir em qualquer decisão individual.Friedman defendia para a cocaína e outras drogas o mesmo tratamento dado ao álcool. Se a pena para o motorista apanhado alcoolizado é alta, deveria ocorrer o mesmo para o inebriado por maconha. Considerava inútil a guerra das drogas, assim como foi ineficaz a Lei Seca (a Prohibition, como se referem os americanos), contra as bebidas alcoólicas. Naquela entrevista, expôs uma tese instigante: ao reprimir o tráfico, o Estado protege o cartel das drogas, pois impede que entrem concorrentes no mercado e façam o preço da cocaína cair.
A posição de Friedman é apoiada pela "Economist", importante semanário inglês, também um totem do liberalismo. Em julho de 2001, a revista, em editorial, argumentava que o rigor da repressão ao tráfico, nos Estados Unidos, não se traduzia em queda do consumo - quase um terço dos americanos com mais de 12 anos admitia ter usado drogas -, apesar dos bilhões gastos nessa guerra, dinheiro que poderia ter outro destino. Não há resposta fácil a todas essas questões. Nem pode o Brasil legalizar esse mercado unilateralmente, sem que os grandes países consumidores o façam. Mas o tema está aí e precisa ser debatido. Não podemos fingir que ele não existe.
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Um comentário:
Como conversamos e vc disse, está autorizado o debate. Abraço, Luiz Paulo
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