Este foi o primeiro debate público sobre a legalização das drogas do qual participei e ajudei a organizar. Aconteceu em janeiro de 2005 durante o Acampamento da Juventude no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Neste dia lançamos o Manifesto Basta de Guerra às Drogas do saudoso Movimento Nacional pela Legalização das Drogas.
Basta de Guerra às Drogas
O debate sobre as drogas não é simples; envolve questões diversas, como saúde, segurança pública e valores morais. No Brasil, a questão é abordada pelo Estado de uma forma, no mínimo, questionável.
Enquanto álcool, tabaco, refrigerantes e drogas de uso terapêutico são vendidos quase sem obstáculos, em alguns casos com divulgação ampla nos meios de comunicação, as drogas definidas como ilícitas são o centro de uma violenta guerra.
O Estado brasileiro promove cotidianamente nas grandes cidades verdadeiras batalhas que provocam milhares de mortes anualmente, principalmente entre as populações mais pobres. Morrem traficantes sem julgamento, policiais e um número inacreditável de inocentes.
Aparentemente estão enxugando gelo. As quadrilhas ficam cada vez mais bem armadas, a diversidade de drogas aumenta, as vítimas se multiplicam e o consumo continua. A cultura da maconha se disseminou tanto na classe média que existem locais, como condomínios e universidades, onde os jovens fumam tranqüilamente, sem serem importunados.
A proibição de drogas como cocaína e heroína faz com que não haja qualquer controle de qualidade, provocando overdose e/ou danos à saúde, em função das impurezas misturadas. Além disso, muitas vezes os consumidores compartilham seringas, o que pode ajudar a disseminar doenças, inclusive a AIDS.
A política proibicionista impede que políticas públicas de redução de danos sejam implementadas em larga escala.
GUERRA ÀS DROGAS: A NOVA CARA DA VELHA DITADURA
Mas se esta política é tão inadequada, porque parece tão difícil mudá-la?
Com certeza por várias razões. Uma delas, talvez a mais importante, a moral religiosa reacionária que ainda encontra grande espaço na nossa sociedade e dificulta até que o assunto seja debatido. A adesão do Brasil a convenções da ONU de caráter proibicionista e a política de guerra às drogas do governo estadunidense exercem pressão permanente para que nada mude.
A política de guerra às drogas cumpre um papel ideológico na nossa sociedade, servindo de pretexto para o massacre sistemático dos pobres. Repressão contínua que gera o medo permanente em quem é obrigado a conviver com o crime violento praticado pela polícia e pelo tráfico.
Nos dias de hoje não é possível às classes dominantes usar a força contra os pobres e a esquerda sem que bons pretextos sejam formulados. A guerra às drogas tem este objetivo. Assim como a guerra ao terrorismo, ela serve como ilusão pois transforma a luta de classes em luta do bem contra o mal, da ordem contra a desordem, da democracia contra o terror, da lei contra o crime.
A perseguição aos comunistas, ao "perigo vermelho", foi substituída pela repressão aos pobres em nome da ilegalidade do comércio das drogas. Mas em sua ação, as polícias agem de forma tão ou mais ilegal que o tráfico de drogas. Entram nas favelas atirando e desrespeitando as leis e as pessoas indistintamente.
Sabemos que com o pretexto de guerra às drogas, entre outros crimes, os EUA perseguiram as bases sociais dos Panteras Negras, financiaram os Contra da Nicarágua, satanizaram as FARC e justificam o Plano Colômbia.
Percebermos também, que em todo o mundo neoliberal os crimes de tráfico e uso de drogas são usados para prender em massa, obrigando o pobre a aceitar empregos precarizados, a viver sob o medo, sendo explorado, aviltado, desrespeitado em seus direitos básicos.
No Brasil, independente da intenção dos atores que definem a política de repressão, o fato é que esta política vem naturalizando uma prática autoritária, repressiva e assassina dentro do que se convencionou chamar de democracia. A política proibicionista e a ideologia de guerra às drogas vêm legitimando a cassação da cidadania da maioria dos pobres brasileiros. Milhares de pessoas são mortas e presas todos os anos por estarem traficando ou usando drogas, independente de serem violentas e perigosas. Outros milhares são mortos apenas por habitarem as áreas pobres, regiões que são tratadas como "território inimigo" pela polícia. Os jovens são as maiores vítimas.
A violência da luta entre traficantes e a ação da polícia justificada pela guerra às drogas vem dificultando severamente a organização popular e a participação política nas favelas e periferias.
Ano passado (2004) a polícia, somente no Estado do Rio, matou cerca de 1000 pessoas, todos pobres, a maioria negros, favelados e jovens. Se eram bandidos ou não, nunca saberemos ao certo. Mas com certeza não foram julgados e condenados à morte, alguns morreram em tiroteios, a maioria parece que foi executada.
Quando a sociedade permite que a polícia execute suspeitos, sem julgamento nem direito de defesa, não são apenas os criminosos que pagam, somos todos, mas principalmente aqueles com o perfil suspeito. No Brasil são os negros, pobres e jovens.
O argumento que legitima a ação truculenta é a guerra às drogas. A conseqüência é a impotência política daqueles que mais interesse têm na transformação da sociedade.
Porto Alegre, 29 de janeiro de 2005.
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